sexta-feira, 20 de junho de 2014

Saudade



Saudade do jeitinho que você sentava no sofá, com um joelho dobrado pra cima e o outro pro lado. A posição, claro, pedia uma puxada nos pelos do braço direito ou massagem nas costas. Eu odiava fazer ambos, mas confesso que, hoje, também sinto saudade.

Saudade de acordar em plena madrugada com o som da sua TV, ou de ir pra escola com o barulho do seu rádio. Como ouvir a música matinal da Jovem Pan sem pensar em você? Como despertar todos os dias sem pensar em você?

Saudade do seu discurso otimista ao terminar o domingo. "Boa semana, força, vai com tudo!". Ei, você podia voltar só pra falar isso de novo? Eu odeio encerrar a semana e encarar a que está por vir. Talvez porque você não esteja mais aqui.

Saudade de colocar meu dedão do lado do seu e ficar impressionada com tamanha semelhança. Eu nunca achei meu olho ou nariz parecido com o seu, tampouco minha boca. Mas meu dedão (da mão E do pé)... meu Deus! Esse era igual.

Saudade de ouvir sua opinião sobre a escola e os meninos. Me lembro bem do dia em que eu completei 14 anos, você me chamou pra conversar e disse: "Agora você pode beijar na boca". Como boa menina que ouve o papai, dei meu primeiro beijo 20 dias depois.

Saudade de quando você ia me buscar na terapeuta, porque no meio do caminho a gente ouvia Tim Maia e parava na esquina pra comer milho. O percurso da escola pra casa também era legal. A gente sempre parava no Rancho da Empada.

Saudade dos três toques de campainha que você dava antes de entrar em casa, e do tempo em que a trilha do SPTV não me irritava. Saudade do jantar na mesa e do modo como você tomava o seu remédio depois da refeição. Saudade do "para de estudar e vem ficar comigo", ou do "sai do computador e vem ver TV na sala". Se fosse hoje, eu largaria até o meu trabalho pra assistir noticiário.

Saudade de quando você me acordava com uma massagem nas costas. Eu não sabia se ficava brava por ter sido acordada ou feliz pela massagem. Hoje, ficaria feliz. 

Saudade do SMS diário, do abraço apertado, das flores no aniversário e do seu simples interesse em saber como foi meu dia. Ah, pai, volta só pra eu te contar as novidades! Paramos no dia em que eu deveria embarcar pra Porto Seguro (o mesmo dia em que você se foi, por sinal). Depois vem a minha formatura do colegial, meu vestibular, minha faculdade, meu primeiro emprego, minha formatura da faculdade, minha demissão e meu retorno ao mercado de trabalho. Também tem a parte que eu conheci a Europa (e vi a Torre Eiffel!!!!!!!), paguei meu curso de teatro, fiz uma tatuagem em sua homenagem e emagreci 11 quilos cortando todas as gordices que a gente amava! A parte que eu bebi demais e fiz alguma besteira você não precisa saber, né?

Saudade de você na minha vida, me ajudando a decidir o que era certo e errado. Como hoje eu não posso contar com a sua valiosa opinião, sigo sempre os seus conselhos: "Faça uma lista de prós e contras", "Se você tiver alguma dúvida de que isso é errado, não faça", "Se deu, bem, não deu, amém". Tá, confesso que, às vezes, eu escolho a opção que tem mais contras, faço aquilo que não acho tããão certo e não digo "amém" pro que deu errado. Mas ninguém é perfeito!

Saudade do tempo em que eu encostava a cabeça no travesseiro sem pensar demais em você.

Saudade dos dias em que ter um pai era normal.

Saudade de dizer "te amo" e ouvir "te adoro" em troca, mesmo sabendo que o seu "te adoro" era o "te amo" mais sincero do que qualquer outro "te amo".

Saudade, enfim, do tempo em que eu não sentia saudade.

Foto: seu penúltimo Réveillon.









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