quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Aquela Tarde




“O Dia Mais Feliz da Minha Vida”. Esse era o tema da redação que a professora me pediu pra fazer quando eu era pequena. Pra uma garota com pouca idade e sem muita história pra contar, foi difícil escolher um momento que se destacasse dos demais e tivesse toda essa importância.

Quando criança, todos os dias são alegres e divertidos, e nosso único problema é dar uma pausa na brincadeira pra fazer a lição de casa. Então como escolher um só dia feliz entre tantos outros?

Mas aí a gente cresce e passa a se incomodar com diversas coisas. Estresse, trânsito, correria, dieta, trabalho, metrô lotado, filas e mais filas, etc, etc, etc. Tudo é tão cansativo que aqueles dias calmos e serenos da infância parecem acontecer cada vez menos. Ah, mas quando acontecem... como é bom revivê-los! Acho que, por serem tão raros hoje em dia, são ainda melhores do que quando éramos mais jovens. Talvez seja por isso que, agora, eu consiga me lembrar de um momento muito feliz na minha vida, que só aconteceu depois da adolescência.

Tarde de abril em Paris. O dia está lindo! Nós, turistas deslumbrados, acabamos de sair da Basílica de Sacré Coeur. Como se não bastasse tamanha beleza em seu interior, nos deparamos com a vista de toda a capital francesa, cujas construções parecem minúsculas! Ainda posso ver a Torre Eiffel lá longe, como se fosse um chaveirinho.

Mas a melhor atração de todas ainda está por vir. Antes de deixarmos o local, nos sentamos nos degraus do escadão que nos leva à igreja. Não sei por que, mas há muita gente por lá. Pessoas em todas as partes, até mesmo no gramado lateral. Ah, mas eu acho que sei por quê. Tem um homem lá na frente tocando (lindamente) um violão. Show acústico na Cidade Luz? Essa eu não perderia por nada.

É aí que ele começa a cantar “No Woman No Cry”, e aquela multidão forma um coro que, instantaneamente, me traz uma paz que eu nunca havia sentido antes. Será a música, o ambiente, a companhia? Eu não sei. Só sei que, naquele momento, eu estava tão bem comigo mesma, que até me estranhei.

E pra fechar com chave de ouro, o talentoso músico ainda nos chama pra ir lá na frente e acompanhar o espetáculo ao seu lado. Descalços, dançamos como verdadeiros menestréis, deixando os problemas há 9 mil quilômetros de distância. Como não me sentir abençoada?

Não sei se esse foi o dia mais feliz da minha vida, mas, com toda a certeza, foi um dos mais especiais. E que momentos assim se repitam daqui pra frente, e me lembrem de uma coisa que, às vezes, eu insisto em esquecer: viver é bom demais.

Foto: Paulo, Bia, Renata e Andreia em frente à Basílica de Sacré Coeur, em Mont Matre, Paris.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Achados e Perdidos



Em meio à multidão que vai e vem no metrô de São Paulo, vejo pessoas de todos os tipos. Me identifico com umas, me espanto com outras, mas me interesso por todas. O desconhecido tem um incrível poder de sedução, capaz de nos levar à uma viagem interna que só termina quando o passageiro se retira do vagão e some para sempre.
Qual será a música que aquele garoto ouve com tanta agitação? E essa menina que estuda Biologia numa folha de caderno? Será que ela tem prova na faculdade? Está prestando vestibular? Cursinho, talvez? E o que há na sacola do Albert Einstein que aquela senhora carrega? Exames de rotina? Não, a coisa pode ser grave... ela estaria doente?
Não sei, não sei e não sei. Posso criar inúmeras identidades em poucos minutos e acreditar naquelas que mais me convencem. Gosto de enxergar as pessoas à minha maneira e tirar falsas conclusões como se fossem verdadeiras. Afinal, quando vou encontrá-las de novo? Pode ser que nossos caminhos se cruzem num futuro próximo e a gente se conheça de verdade, mas aí não tem mais graça. É como eu disse: o desconhecido me atrai.
Prefiro não saber a razão pela qual a garota discute com alguém por whatsapp, ou por que aquela mulher tanto chora por trás dos óculos escuros. Gosto de observar o rapaz negro que lê a bíblia, mesmo não fazendo ideia de onde vem sua fé. Torço pelo cara que segura sua Carteira de Trabalho, pela mãe que carrega o filho nos braços, e pelo gringo perdido na Sé.
"O sofrimento precede a libertação", "não desanime". Foram essas as frases que li naquela bíblia. Ei, negão, eu não te conheço, mas obrigada por sentar ao meu lado.
A vida não tá fácil pra ninguém. Mas nos momentos de desespero, basta lembrar de uma frase dita por um passageiro que tive o prazer de "conhecer" na tarde de hoje: "é só pensar positivo que dá certo". E a vida segue até a próxima estação.

Foto: Mãe e filha no metrô paulistano.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

A Casa da Praia



Do lado de fora, a garagem e a mesa de ping pong. Do lado de dentro, um grande mistério. O que há por trás daquelas portas? Difícil falar de uma casa tão conhecida e familiar, mesmo que não seja minha.
Em meio aos móveis e retratos, uma mistura de sentimentos logo toma conta de mim sempre que vou pra lá.
A ceia de Ano Novo, as serpentinas, os sucos com leite condensado tomados à beira da piscina e os passeios de barco são só algumas lembranças que vêm à tona. Em um piscar de olhos, me sinto na década de 90 e volto a ser criança.
“Eu era feliz e não sabia”. Essa frase faz todo o sentido quando observo aquela casa, onde cada cômodo tem sua história. Na escada principal, colchões eram colocados para que a criançada pudesse escorregar. Mais divertido do que isso, só o escorregador – de verdade – da piscina, a mesma em que a gente tomava os sucos calóricos. Era também nesta piscina em que a família fazia aulas amadoras de hidroginástica, criadas por algum parente animado que aumentava o volume da música. A mesma piscina em que via papai boiar, com aquele barrigão que sinto falta até hoje.
Por incrível que pareça, a piscina é apenas um dos diversos lugares onde costumava me divertir. O quiosque também era um deles. Quer espaço melhor para fazer uma pista de dança? Pois é, desde cedo eu aprendi a celebrar o Réveillon. Em frente à enorme estrutura que carregava o número do novo ano, coberto por luzes de Natal, as pessoas – inclusive eu – passavam o 1º de janeiro ao som de Square Heads, Daft Punk, Ivete Sangalo e É o Tchan. Uma verdadeira festa!
Enquanto isso, os arcos de bexigas que decoravam o ambiente se desfaziam aos poucos, assim como esses momentos de alegria. Em pouco tempo, alguns de seus protagonistas nos deixaram. Onde antes havia confete, hoje há saudade. Aquela saudade que aperta sempre que a casa fica silenciosa no meio da noite.
Será o mesmo lugar onde escutei os votos de um feliz ano novo para as pessoas que já se foram? O mesmo lugar onde papai me fez prometer que nunca brigaria com ele em noite de virada? Eu não sei.
Só sei que um pedaço da minha infância continua lá, viva e intacta, e que eu continuo aqui, na mesma condição: à espera de um novo ano.

Foto: Rê, Bi e Papai em noite de Ano Novo.